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domingo, 16 de janeiro de 2011

Oração aos Moços - Parte 05

ORAÇÃO AOS MOÇOS – Parte 05
[continuação]


por Rui Barbosa (*)






∆ MEDIADOR/A:
∞ Saudações, membros da Tábula Política.
∞ Acredito que relembrar a citação basilar da Quarta Parte deste discurso é o melhor que se pode fazer como introdução ao que segue:
Já se vê quanto vai do saber aparente ao saber real. O saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber de realidade, quanto mais real, mais desconfia, assim do que vai apreendendo, como do que elabora.
∞ Neste ponto do discurso, nosso querido Mestre nos ensina a diferença entre o ESTUDIOSO e o ACHISTA.
∞ Então, eis que vem Rui Barbosa ensinar que QUEM ESTUDA quer ser PRIMEIRO MUNDO, portanto, quer ser ELITE!
∞ Interessante!... Isto lembra alguém que fala o contrário. Alguém que diz que quem estuda não é competente e não entende do que fala.
∞ Teus ensinamentos deverão nos ajudar neste futuro tão presente em que vivemos. Onde as instituições se tornaram meros receptáculos de caçadores de holofotes.
∞ Fale-nos mais, Honorável Rui. Estamos adorando aprender contigo.



◊ Haveis de conhecer, como eu conheço, países, onde quanto menos ciência se apurar, mais sábios florescem. Há, sim, dessas regiões, por este mundo além. Um homem (nessas terras de promissão) que nunca se mostrou lido ou sabido em coisa nenhuma, tido e havido é por corrente e moente no que quer que seja; porque assim o aclamam as trombetas da política, do elogio mútuo, ou dos corrilhos pessoais, e o povo subscreve a néscia atoarda. Financeiro, administrador, estadista, chefe de Estado, ou qualquer outro lugar de ingente situação e assustadoras responsabilidades, é, a pedir de boca, o que se diz mão de pronto desempenho, fórmula viva a quaisquer dificuldades, chave de todos os enigmas.
◊ Tenham por averiguado que, onde quer que o colocarem, dará conta o sujeito das mais árduas empresas e solução aos mais emaranhados problemas. Se em nada se aparelhou, está em tudo e para tudo aparelhado. Ninguém vos saberá informar por quê. Mas todo o mundo vo-lo dará por líquido e certo. Não aprendeu nada, e sabe tudo. Ler, não leu. Escrever, não escreveu. Ruminar, não ruminou. Produzir, não produziu. E um improviso onisciente, o fenômeno de que poetava Dante: "In picciol tempo gran dottor si feo".
A esses homens-panacéias, a esses empreiteiros de todas as empreitadas, a esses aviadores de todas as encomendas, se escancelam os portões da fama, do poderio, da grandeza, e, não contentes de lhes aplaudir entre os da terra a nulidade, ainda, quando Deus quer, a mandam expor a admiração do estrangeiro.
◊ Pelo contrário, os que se tem por notório e incontestável excederem o nível da instrução ordinária, esses para nada servem. Por quê? Porque "sabem demais". Sustenta-se aí que a competência reside, justamente, na incompetência. Vai-se, até, ao incrível de se inculcar "medo aos preparados", de havê-los como cidadãos perigosos, e ter-se por dogma que um homem, cujos estudos passarem da craveira vulgar, não poderia ocupar qualquer posto mais grado no governo, em país de analfabetos. Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos. E o que eles, muita vez as escâncaras, e em letra redonda, por aí dizem.
Sócrates, certo dia, numa das suas conversações, que O Primeiro Alcibíades nos deixa escutar ainda hoje, dava grande lição de modéstia ao interlocutor, dizendo-lhe, com a costumada lhaneza: "A pior espécie de ignorância é cuidar uma pessoa saber o que não sabe... Tal, meu caro Alcibíades, o teu caso. Entraste pela política, antes de a teres estudado. E não és tu só o que te vejas nessa condição: é esta mesma a da mor parte dos que se metem nos negócios da república. Apenas excetuo exíguo número, e pode ser que, unicamente, a Péricles, teu tutor; porque tem cursado os filósofos".
◊ Vede agora os que intentais exercitar-vos na ciência das leis, e vir a ser seus intérpretes, se de tal jeito é que conceberíeis sabê-las, e executá-las. Desse jeito; isto é: como as entendiam os políticos da Grécia, pintada pelo mestre de Platão.
Uma vez, que Alcibíades discutia com Péricles, em palestra registrada por Xenofonte, acertou de se debater o que seja lei, e quando exista, ou não exista.
“— Que vem a ser lei?”, indaga Alcibiades.
“— A expressão da vontade do povo”, responde Péricles.
“— Mas que é o que determina esse povo? O bem, ou o mal?”, replica-lhe o sobrinho.
“— Certo que o bem, mancebo.”
“— Mas, sendo uma oligarquia quem mande, isto é, um diminuto número de homens, serão, ainda assim, respeitáveis as leis?”
“— Sem dúvida.”
“— Mas, se a disposição vier de um tirano? Se ocorrer violência, ou ilegalidade? Se o poderoso coagir o fraco? Cumprirá, todavia, obedecer?”
Péricles hesita; mas acaba admitindo:
“— Creio que sim.”
“— Mas então”, insiste Alcibíades, “o tirano, que constrange os cidadãos a lhe acatarem os caprichos, não será, esse sim, o inimigo das leis?”
“— Sim; vejo agora que errei em chamar leis as ordens de um tirano, costumado a mandar, sem persuadir.”
“— Mas, quando um diminuto número de cidadãos impõe seus arbítrios a multidão, daremos, ou não, a isso o nome de violência? Parece-me a mim”, concede Péricles, cada vez mais vacilante, “que, em caso tal, é de violência que se trata, não de lei.”
Admitido isso, já Alcibíades triunfa:
“— Logo, quando a multidão, governando, obrigar os ricos, sem consenso destes, não será, também, violência, e não lei?”
Péricles não acha que responder; e a própria razão não o acharia. Não é lei a lei, senão quando assenta no consentimento da maioria, já que, exigido o de todos, desiderandum irrealizável, não haveria meio jamais de se chegar a uma lei.
◊ Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar a lei, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam, e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, política ou juridicamente falando.
◊ Considerai, pois, nas dificuldades, em que se vão enlear os que professam a missão de sustentáculos e auxiliares da lei, seus mestres e executores.
◊ É verdade que a execução corrige, ou atenua, muitas vezes, a legislação de má nota. Mas, no Brasil, a lei se deslegitima, anula e torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão ainda pelos horrores da aplicação.
◊ Ora, dizia São Paulo que boa é a lei, onde se executa legitimamente. “Bona est lex, si quis ea legitime utatur. Quereria dizer: Boa é a lei quando executada com retidão. Isto é: boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia. Porque só a moderação, a inteireza e a equidade, no aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem. Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando inexecutada, ou mal executada (para o bem), que a boa lei sofismada e não observada (contra ele).
◊ Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estupendo e sobrehumano, logo, não será, em tais condições, o papel da justiça! Maior que o da própria legislação. Porque, se dignos são os juízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis, em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a injustiça.
◊ De nada aproveitam leis, bem se sabe, não existindo quem as ampare contra os abusos; e o amparo sobre todos essencial é o de uma justiça tão alta no seu poder, quanto na sua missão. "Aí temos as leis", dizia o Florentino. “Mas quem lhes há de ter mão? Ninguém”.
Le leggi son, ma chi pon mano ad esse? Nullo
Entre nós não seria lícito responder assim tão em absoluto a interrogação do poeta. Na constituição brasileira, a mão que ele não via na sua república e em sua época, a mão sustentadora das leis, aí a temos, hoje, criada, e tão grande, que nada lhe iguala a majestade, nada lhe rivaliza o poder. Entre as leis, é a justiça quem decide, fulminando aquelas, quando com esta colidirem.






(*) Rui Barbosa de Oliveira,  nasceu em Salvador — em 5 de novembro de 1849 — e morreu em Petrópolis — 1º de março de 1923. Foi jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro.

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