Arquivos de Debates

domingo, 16 de janeiro de 2011

Oração aos Moços - Parte 06

ORAÇÃO AOS MOÇOS – Parte 06
[continuação]


por Rui Barbosa (*)





∆ MEDIADOR/A:
∞ Saudações, membros da Tábula Política.
∞ A Quinta Parte deste discurso parece — em muitos aspectos — ter sido esculpido profetizando os fatos deste milênio, tal o preciso tom e conteúdo do que foi detalhado, senão veja:
“Sustenta-se aí que a competência reside, justamente, na incompetência. Vai-se, até, ao incrível de se inculcar "medo aos preparados", de havê-los como cidadãos perigosos, e ter-se por dogma que um homem, cujos estudos passarem da craveira vulgar, não poderia ocupar qualquer posto mais grado no governo, em país de analfabetos. Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos.”
 ∞ Alguma dúvida? Lembrou alguém? Algum grupo?... Ai, ai, ilustre Rui, se nesta era vivesses, meu caro, com toda a certeza — acredite-me, não há uma mínima hipótese de dúvida quanto a isso — serias abominavelmente açoitado com o seguinte rótulo: “ZELITE”!
∞ Sei bem o quanto tua audição e intelectual sofreriam nestes tempos obtusos, Mestre!... Aliás, este deveria ser o sentimento de TODOS aqueles que ESTUDAM, mas — pasme! — o beócio que assim vocifera é criação de intelectuais paulistas.
∞ Calma, Ruizinho!... Nem tudo que reluz, neste país, é ouro; assim como nem todos que estudam, entendem de ética, honra, dignidade e trabalho.
∞ Soberania com base na JUSTIÇA... Continua sendo tudo o que se quer.
∞ Mas, prossiga na aula que estou, verdadeiramente, aprendendo com um MESTRE e não com pseudo-repassadores de informações decoradas de deformações partidárias.



◊ Soberania tamanha só nas federações de molde norte-americano cabe ao poder judiciário, subordinado aos outros poderes nas demais formas de governo, mas, nesta, superior a todos.
◊ Dessas democracias, pois, o eixo é a justiça, eixo não abstrato, não supositício, não meramente moral, mas de uma realidade profunda, e tão seriamente implantado no mecanismo do regímen, tão praticamente embebido através de todas as suas peças, que, falseando ele ao seu mister, todo o sistema cairá em paralisia, desordem e subversão. Os poderes constitucionais entrarão em conflitos insolúveis, as franquias constitucionais ruirão por terra, e da organização constitucional, do seu caráter, das suas funções, de suas garantias apenas restarão destroços.
◊ Eis o de que nos há de preservar a justiça brasileira, se a deixarem sobreviver, ainda que agredida, oscilante e mal segura, aos outros elementos constitutivos da república, no meio das ruínas, em que mal se conservam ligeiros traços da sua verdade.
◊ Ora, senhores, esse poder eminencialmente necessário, vital e salvador, tem os dois braços, nos quais aguenta a lei, em duas instituições: a magistratura e a advocacia, tão velhas como a sociedade humana, mas elevadas ao cem-dobro, na vida constitucional do Brasil, pela estupenda importância, que o novo regímen veio dar à justiça.
◊ Meus amigos, é para colaborardes em dar existência a essas duas instituições que hoje saís daqui habilitados. Magistrados ou advogados sereis. São duas carreiras quase sagradas, inseparáveis uma da outra, e, tanto uma como a outra, imensas nas dificuldades, responsabilidades e utilidades.
◊ Se cada um de vós meter bem a mão na consciência, certo que tremerá da perspectiva. O tremer próprio é dos que se defrontam com as grandes vocações, e são talhados para as desempenhar. O tremer, mas não o descorçoar. O tremer, mas não o renunciar. O tremer, com o ousar. O tremer, com o empreender. O tremer, com o confiar. Confiai, senhores. Ousai. Reagi. E haveis de ser bem sucedidos. Deus, pátria, e trabalho. Metei no regaço essas três fés, esses três amores, esses três signos santos. E segui, com o coração puro. Não hajais medo a que a sorte vos ludibrie. Mais pode que os seus azares a constância, a coragem e a virtude.
◊ Idealismo? Não: experiência da vida. Não há forças, que mais a senhoreiem, do que essas. Experimentai-o, como eu o tenho experimentado. Poderá ser que resigneis certas situações, como eu as tenho resignado. Mas meramente para variar de posto, e, em vos sentindo incapazes de uns, buscar outros, onde vos venha ao encontro o dever, que a Providência vos havia reservado.
◊ Encarai, jovens colegas meus, nessas duas estradas, que se vos patenteiam. Tomai a que vos indicarem vossos pressentimentos, gostos e explorações, no campo dessas nobres disciplinas, com que lida a ciência das leis e a distribuição da justiça. Abraçai a que vos sentirdes indicada pelo conhecimento de vós mesmos. Mas não primeiro que hajais buscado na experiência de outrem um pouco da que vos é mister, e que ainda não tendes, para eleger a melhor derrota, entre as duas que se oferecem à carta de idoneidade, hoje obtida.
◊ Pelo que me toca, escassamente avalio até onde, nisso, vos poderia eu ser útil. Muito vi em cinquenta anos. Mas o que constitui a experiência, consiste menos no ver, que no saber observar. Observar com clareza, com desinteresse, com seleção. Observar, deduzindo, induzindo, e generalizando, com pausa, com critério com desconfiança. Observar, apurando, contrasteando, e guardando.
◊ Que espécie de observador seja eu, não vo-lo poderia dizer. Mas, seguro, ou não, no averiguar e discernir, - de uma qualidade, ao menos, me posso abonar a mim mesmo: a de exato e consciencioso no expender e narrar.
◊ Como me dilataria, porém, numa ou noutra coisa, quando tão longamente, aqui, já me tenho excedido em abusar de vós e de mim mesmo?
◊ Não recontarei, pois, senhores, a minha experiência, e muito menos tentarei explaná-la. Cingir-me-ei, estritamente, a falar-vos como falaria e mim próprio, se vós estivésseis em mim, sabendo o que tenho experimentado, e eu me achasse em vós, tendo que resolver essa escolha.






(*) Rui Barbosa de Oliveira,  nasceu em Salvador — em 5 de novembro de 1849 — e morreu em Petrópolis — 1º de março de 1923. Foi jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro.

0 comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...